quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Sobre o amor que nunca envelhece


Alô, mãe?! Tudo bem??? Parabéééééns! Feliz aniversário?! Quantos anos mesmo?! Nossa!! Já?! Poxa vida, mãe! Está quase perto dos setenta!!! Que coisa mais estranha isso... quando fecho meus olhos e penso em você, posso te ver... eu acho que com quarenta. Naquele tempo em que éramos ainda tão pequenos e que eu cabia no seu colo sentada, deitada, e até em pé (talvez). 
Isso mesmo! Você lembra quando você contava que era tão magra, tão magra que eu nem cabia no seu vestido de noiva aos 15 anos?! E o seu anel de formatura? Aquele que você me deu quando eu também resolvi ser professora como você? Tivemos até que aumentar... seu dedo era tão fininho!
Poxa mãe, ainda lembro quando eu brincava de usar seus sapatos número 34!!!! Eu acho que estava com uns 10 ou 11 anos.
O tempo tem esse jeito engraçado de levar as coisas embora, de mudar o jeito de viver, de modernizar a vida e de separar fisicamente as pessoas que tanto amamos. O tempo transforma, mas acalenta. Leva embora, mas te acostuma com a ausência. Ele tenta compensar a dor da saudade com a nossa capacidade de se acostumar com os fatos.
O tempo é esse cara que hoje te fez mais madura, com seus sessenta quase setenta. 
Só que ele pensa que pode envelhecer tudo?! Não, não! Ele não envelhece nunca esse amor que existe entre uma mãe e seu filhos. 

Por isso sempre dizemos: um filho será sempre uma criança para sua mãe. Assim como uma mãe, será sempre jovem o suficiente no coração do seu filho! Sempre, ao fechar os olhos, podemos sentir o frescor do sorriso de uma mãe, sua disposição e entrega para cuidar e preocupar-se com suas crianças. Uma mãe sempre terá o colo do tamanho da saudade que um filho pode sentir. E o abraço mais forte, mesmo quando não há mais forças para abraçar.

Alô mãe, você está aí ainda? A ligação está ruim, não estou te ouvindo?! Desculpa, estou com o choro engasgando a minha voz aqui também. Não tem jeito, mãe! Pensar em você assim tão longe, sem poder te dar o abraço que está guardado há mais de um ano, me faz não conter as lágrimas.
Mãe, aproveite o dia de hoje. Faça aquele bolo que você sempre fez em todas as festas, convide seus amigos, reze com a turma do terço e agradeça à Deus, por mim, PELA A SUA VIDA e por esse amor que há entre nós, que nunca envelhece.
Ah, e nunca se esqueça: eu te amo desde o primeiro respirar aqui na Terra. Não, não! Desde a primeira batida do meu coração dentro do seu ventre! Não, não! Acho que foi antes mesmo de você ser escolhida para ser a minha mãe.
Um beijo grande! Tchau, mãe.
Agora pode desligar!


sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Carta para o amigo que não verei mais


Não sei muito bem como começar essa carta, talvez porque eu não saiba o que realmente é uma carta e também nem saiba como escrever. Sim, ainda não sei escrever uma frase se quer porque na escola andam nos ensinando letras e sons de algumas palavras. A nossa professora, você se lembra dela ainda? Então, ela não conseguiu sequer arrumar uma tradução para a palavra saudade! Muito menos me ajudar a colocar em um monte de letras esse negócio esquisito que estou sentindo depois da sua despedida. Acho que você não conhece essa palavra também... na Coréia existe isso, saudade?
No Brasil nós sentimos muita saudades... saudades da família, da comida, da praia... e eu, agora sinto saudades de você. 
É que você foi o primeiro amigo "de verdade" que eu fiz aqui. Digo de verdade, pois você é da minha idade, da minha escola, da minha sala de aula e também do meu quintal. Isso não lhe parece perfeito para um amigo de verdade? Sim, esse era você aqui. 
Sei que a culpa não foi sua. Nem minha. Acho que essa ideia maluca dos nossos pais em sairem pelo mundo procurando um jeito novo e melhor para se viver foi o motivo de tudo isso.
Primeiro eles escolheram viver longe das nossas famílias e nós sentimos a tal saudade. Depois, quando a saudade já ficou mais mansa, que a gente conhece gente nova e legal, eles decidem voltar para onde nós nascemos (ou para outra cidade). E aí a gente sente saudade outra vez, daqueles que deixamos naquele velho lugar.
Você acha bom viver assim? Você acha bom chegar em um lugar sozinho, sem amigos e depois que os encontra, precisa se despedir outra vez?
Não sei se acho bom ou ruim. Agora, aos 5 anos, não sei pensar sobre isso muito bem. Não sei sequer dizer o que sinto aqui dentro de mim quando entrei na nossa sala de aula hoje e você não estava mais lá. Era um aperto dolorido, que deixou minha barriga gelada, minha cabeça confusa... com quem eu iria brincar e sentar junto? 
Sabe Donny, as escolhas que nossos pais fizeram talvez sejam incompreendidas agora, mas depois pode ser que algo bom aconteça para nós. Teremos amigos espalhados pelo mundo! 
Outra coisa meu amigo, nós aproveitamos muito cada minutinho que passamos juntos. Rimos, corremos pelo barranco, nos acidentamos, choramos, pedimos desculpas, nos entendemos sem ao menos saber falar a mesma língua. Porque a amizade é algo que não precisa de muitas palavras! A gente entende com o olhar, com a simples companhia.
Meu quintal vai ficar vazio por algum tempo. E esse tempo vai passar também e vai ajudar a curar esse aperto que eu sinto no meu peito. 
Se alguém na Coréia te perguntar o que significa SAUDADE, diga que é ver a casa do grande amigo vazia, o quintal sem companhia e seu "cub" sem a mochila. Isso é saudade!

Boa sorte amigão!
Nos veremos via Skype, FaceTime, Coréia, EUA ou Brasil.
Somos do mundo e com certeza nos encontraremos por aí!
Lucas Leiria
(Se pudesse usar as palavras hoje!)

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Making off do episódio...

Ontem, na mesa do jantar, Lucas preocupado pergunta:
- Mãe, quantos os dias o Donny vai ficar longe? - e mostra todos os dedos de sua mão, - tudo isso de dias, mãe?!
Eu respondo:
- Ichi filho, vai ser muito mais que isso. Será como a Clara e a Betina, faz tempo que elas foram e não voltaram, né?! Mas deixe o João, seu irmão mais velho e experiente te ajudar com esse assunto. Ele já viveu essa situação algumas vezes. Diga algo para o seu irmão, João.
- Eu acho que eu não passei por isso, mãe - diz o João - Os amigos que eu deixei no Brasil eu sei que posso encontrar outra vez quando a gente voltar. Mas o Lucas, .... , (pausa, longa, doída e já pressentindo o que estava por vir) ... Lucas não vai ver mais o Donny PARA SEMPRE.

Ok! Obrigada João pela sua super ajuda e agora, vamos ver se a Helena terá algo a acrescentar!!!!!

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Que espírito é esse?


        Noite fria e chuvosa na mata. Ouço os primeiros pingos de chuva a cair e a fazer aquele barulhinho bom que me remete a um lugar já conhecido na memória, no tempo da minha infância. Não consigo mais pegar no sono porque meus pensamentos buscam a familiaridade desse som contínuo da água batendo firme na lona dessa barraca. Lá fora, só o barulho do movimento das folhas das árvores e dos pingos a encharcar o chão dessa enorme floresta. Mas que lembrança é essa? 

Viro para o lado e vejo meus filhos dormindo um sono de paz, todos envolta de mim e do meu marido que respira fundo e continuamente. A chuva segue seu ritmo, agora mais forte e o barulho da água caindo nem os acorda… mas, eu sigo buscando a lembrança desse som familiar. Bastou olhar para cima e pude reconhecer que esse era o som da barraca que minha mãe montava no quintal e, que nos dias de chuva, era nossa "casinha" de faz de conta”. Lá colocávamos um colchão e passávamos horas brincando, até a chuva passar. 

Eu, meus irmãos e primos (que morávamos na mesma rua) tínhamos uma certa fissura por barracas. Nossa primeira “barraquinha" oficial - e de pano - era da turma da Mônica. Nós ganhamos do padre amigo da nossa família e nela, tinha que caber no mínimo 6 crianças (irmãos e primos). Como era bom dormir na barraquinha, comer na barraquinha, jogar na barraquinha! Nossos pais nunca nos levaram para acampar, mas sempre construíam barracas no quintal ou em um terreno baldio na rua de casa. E nos dias de chuva, ficar dentro da barraca era a maior de todas as emoções! Lembro-me do cheiro da lona laranja, dos furos que nela havia, do barulho das nossas risadas e dos pingos de chuva a cair no teto, pingos estes que me acordaram nessa noite chuvosa e me roubaram o sono.


       E cá estou eu com minha família e uma família de amigos, no meio de uma floresta em New Hampshire (norte do Estados Unidos, já quase perto do Canadá). Sim, uma daquelas floresta que a gente vê em filmes e que, de repente, pode aparecer um urso para comer a sua comida. Claro que não será o Zé Colmeia com o Catatau! Mas um urso grande, com unhas afiadas e faminto pelas guloseimas que você comprou no supermercado da cidade. 

Fomos recebidos no acampamento com mensagens de alerta: "Como reagir se “você, por um acaso, encontrar um urso”. Ah sim, muito obrigada! Com certeza esse manual de como me comportar na frente de um urso me ajudará muito. E dizia ainda: “Não tire foto ou faça filmagem”!!!! Quem teria esse sangue frio de encontrar um urso “unhudo" e fazer uma selfie?! Começamos muito bem nossa aventura! A Helena arregalou seus big olhos pretos e ficou em alerta todo tempo: “Mamãe, aqui tem Betty grande” (pra quem não sabe, Betty é o urso de pelúcia da Helena que já virou um membro da família. Ela já visitou muitos lugares e ficou perdida em Nova Iorque. Temos esperança em encontrá-la novamente em algum filme ou museu de história natural).

     Pois é, então me diga: que espírito é esse que te leva para um acampamento, nos arredores de uma enorme floresta, com a sua família, para um final de semana de 3 dias? Foi essa pergunta que me motivou a voltar a escrever nossas histórias aqui no blog. Preciso explicar a mim mesma esse sentimento contraditório que me faz feliz! 

Contraditório porque em um acampamento você não tem descanso em um ofurô, nem pode sentar e comer a melhor comida de um restaurante, você não dorme em uma cama redonda com lençóis de seda. Em um acampamento com a família você - anota aí para não esquecer - dorme em um colchão de ar que murcha no meio da noite e cada vez que um vira pro lado, o outro precisa virar também; você anda uns minutos para chegar até o banheiro mais próximo (ou seja, não pode ter dor de barriga); você come somente aquilo que pode ser feito em uma fogueira; você fica com o pé sujo o tempo todo; você anda curvado dentro da barraca e quando sai dela, continua a andar curvado e não sabe o motivo; você toma banho se for possível e se for realmente preciso; você fica cheirando a fumaça o tempo todo (precisa tomar banho?!).

Só que tem um lado dessa aventura - que deve ser onde mora esse tal espírito - que não tem como explicar completamente em palavras. 


Acampar com os filhos é oferecer para eles um céu estrelado, o cheirinho da chuva que molha e mantém viva a floresta, é mostrar que a natureza é esplendorosa e perfeita, que ela nos acolhe e nos dá a sensação de pertencimento a essa infinita e complexa beleza que é viva, que é vida. Acampar com os filhos é dar essa presente ancestral de conversar, cantar e ouvir histórias ao redor do fogo, aprender como fazer a madeira se transformar em calor para garantir nosso alimento. É deixá-los explorar de pés descalços os arredores da mata, conhecer as árvores que estão de pé, subir naquelas que já caíram e olhar com cuidado para aquelas que estão a crescer. Tudo bem se escapar um xixi (dois, três ou quase todos) porque o banheiro é longe e a brincadeira está muito boa para parar. Ver a Helena (mijada o tempo todo), andando com um enorme galho na mão, com os cabelos ao vento, descalça e chamando o irmão para uma aventura… Ah! Essa cena não tem preço! 



        Acampar é colocar a família em uma "prova de trabalho em equipe" - isso também deve fazer parte do espírito. Todos precisam fazer alguma coisa, dividir tarefas: cuidar do fogo, da comida, da porta da barraca sempre fechada, das brincadeiras, dos mosquitos, etc. Acampar “em famílias” é adotar um grupo de pessoas para lutar pela sobrevivência coletiva! Assim, ficamos ainda mais próximos, cuidamos uns dos outros e dos filhos dos outros como se fossem nossos. Dividimos a comida, as tarefas, cobertores e as histórias de vida! Compartilhamos esse momento de sentimentos contraditórios e nos unimos por esse tal espírito que a gente não consegue explicar ao certo com palavras. A gente sente esse espírito! E a gente só consegue sentir isso se abrir mão do velho conforto do sofá de casa, do chuveiro e do banheiro, da comida no fogão e na geladeira.



        Confesso que estar de volta nessa barraca em uma noite de chuva, me trouxe novamente a deliciosa lembrança da minha infância, quando esse tal espírito me rondava, esse desejo de estar perto da natureza separada apenas por uma lona colorida. Saber que a imensidão de uma floresta acontece ao meu lado (bichos andam, se alimentam e vivem bem perto de mim) e que posso experimentar essa aventura ancestral com respeito e gratidão. 

Que bom que meus filhos podem viver isso com a gente! 

Espero que, em alguma noite de chuva, escutem os pingos a cair no teto de uma barraca de lona e se lembrem também de algo familiar de sua infância. Que sintam o aconchego e a coragem desse tal espírito que nos une ao bem mais precioso que temos: as pessoas e a natureza!





     

terça-feira, 2 de junho de 2015

Para onde os sonhos dos filhos nos levam?!


Cresci numa família simples do interior da São Paulo. Monte Mor nunca apareceu em nenhum mapa que estudávamos na escola pública do bairro. Minha mãe, professora primária da escola estadual e meu pai, bancário. Sempre tivemos uma vida normal, dentro dos básicos padrões da década de 80 e 90. Não falávamos muito da situação política da época, mas brincávamos na rua o dia todo. Não tínhamos os brinquedos mais cobiçados, mas também não faziam falta porque andávamos de bicicleta, fazíamos piquenique na calçada dos vizinhos e construíamos barracas no terreno baldio da rua.



Às vezes, o nosso desejo nos finais de semana, era ir para a cidade vizinha passear no shopping e andar de escada rolante. Quem sabe até ganhar um lanchinho no MacDonald`s! E nas férias de verão sempre viajávamos para as praias do Litoral norte e sul de São Paulo, com aquela Belina branca que  mais parecia uma ambulância. Assim crescemos e aprendemos sobre a vida e o mundo que fazíamos parte.





Acho que esta era a vida que meus pais sonhavam em ter: uma casa própria, dois carros na garagem, os filhos com saúde e estudando, um emprego seguro e uma semana de férias na praia todos os anos. Ah, e é claro: uma Lua de mel no Rio de Janeiro, em Nova Friburgo. Essa tinha sido a viagem mais longa e linda da vida daquele casal. Lembro de ouvir minha mãe contando sobre o frio que passaram, que foram de ônibus recém casados e cheios de sonhos para a nova vida em família.

"Mãe, mas esse foi o lugar mais longe que vocês já foram?", perguntávamos indignados sempre que essa conversa surgia. E com o maior orgulho, ela dizia que sim.

Porém, o tempo passa e os filhos começam a traçar seus planos e a desenhar seus próprios sonhos para a vida. 

Eis que eu decidi tentar o vestibular em uma faculdade em Curitiba. Trabalhei, guardei dinheiro o ano todo, estudei e fui. Não, não estava sozinha! Meu pai e minha mãe me levaram de carro para lá. Queriam saber onde eu ficaria, se era seguro deixar a caçula de 18 anos sozinha em um lugar desconhecido. Agora sim, de carona com meus planos, meus pais puderam conhecer uma nova cidade e em outro estado. Mas, por sorte ou destino, não passei no vestibular do Paraná!

E o tempo, que passa desenfreado como enxurrada em dia de tempestade, fez com que novos sonhos e distâncias aparecessem para empurrar essa família simples do interior.


Foi quando eu decidi viver longe daqueles que sempre estiveram tão perto... Só que dessa vez a incerteza tomou conta de mim, sabia que aquele casal caipira não decolaria neste tão grandioso sonho que construí ao lado do meu marido. Pegar um avião? Jamais fariam isso!


Tudo bem que eles logo de cara preparam os documentos e garantiram que viriam aqui nos visitar. Só vendo para crer! Só eles estando aqui para eu poder ter a certeza que enfrentariam esse leão e deixariam aquela aventura, do casal recém casado que foi para o Rio de Janeiro, ser supreendida por essa viagem para os Estados Unidos. 
E para onde os sonhos dos filhos nos levam?! Os meus sonhos carregaram meus pais e minha irmã para minha nova morada aqui no norte da América. Eles chegaram na quinta-feira mais ensolarada da primavera e fizeram dos meus dias frios os mais quentinhos e felizes que tive aqui.





Sabe quando tudo parece mentira? Sabe quando tudo encanta e faz os olhos brilharem de tanta beleza? Sabe quando o tempo para e suspende as horas? Aquele tempo que corre apressado deu-nos o presente de viver cada dia (dos 10 que nos foram reservados) com toda intensidade, amor e gratidão.

E como sou grata! Grata por não terem nos dado tudo que queríamos, por terem nos mostrado o quanto era preciso trabalhar duro para ter aquilo que eles haviam conquistado. Imensamente grata por terem sonhado com uma vida simples, segura e feliz quando viajaram recém casados para Nova Friburgo. Agradecida por terem ido ainda mais longe, de carona em meus sonhos, e por vencerem esse grande desafio pelo simples desejo de nos rever e saber se estamos seguros neste lugar desconhecido. 

De verdade, sabe o que eu quero? Quero que os sonhos continuem nos surpreendendo por toda vida. Que eu possa continuar carregando meus pais de carona comigo enquanto estivermos juntos. E que nossos filhos nos levem para lugares e vivências que ultrapassam a nossa pequena e simples capacidade de sonhar. Que caibamos em seus planos futuros nem que seja apenas para conferir se estão felizes e seguros em suas escolhas.




Quando olhamos de perto (por Aline Pinheiro)

Boston / Primavera 2015

Public Garden

Larz Andersen Park

Arnold Arboretum 




Public Garden

Fotografia de Aline Pinheiro
alinepinheiro17@gmail.com

terça-feira, 19 de maio de 2015

Quando decidimos viver longe


Desde que nos conhecemos ele já havia escolhido viver longe. Saiu de casa e ficou distante da sua família mesmo sendo o único filho que aquele casal decidiu ter. Arrumou as malas para trabalhar num lugar que lhe daria melhores condições para ser aquilo que gostaria de ser. Ele não imaginava que, no meio desse novo caminho, encontraria alguém no elevador do seu prédio que mudaria todos seus planos.

Eu nunca havia escolhido viver longe... Consegui fazer uma faculdade que ficava apenas 40 minutos da casa onde nasci e cresci, onde sempre que quisesse podia voltar para sentir o quentinho do abraço dos meus pais.  

Mas desde o dia que encontrei aquela pessoa no elevador do meu prédio, os planos da "minha vidinha" de menina do interior mudaram muito.

Ele sempre soube se despedir e foram tantas as despedidas. Ele sempre carregou tanta coragem na bagagem, vai longe e volta. Encontra, aproveita cada minuto, despede-se e sente saudades. Ele sempre viveu sentindo saudades. E eu? Nem imaginava o que era isso. 

Até que um dia decidimos viver longe da nossa família. Para ele seria aumentar a distância, para mim, seria ficar longe de verdade. Não me lembro qual foi exatamente o dia em que tomamos essa decisão, mas tenho quase certeza de que foi naquele encontro no elevador.

Arrumamos as malas com muita esperança de viver uma vida melhor, de conquistar novos desafios e alcançar nossos objetivos. Tentei tirar um pouco da coragem da bagagem que ele já havia arrumado e coloquei disfarçadamente nas minhas coisas. Distribui um pouco dela na mala das crianças, assim todos estariam fortes para seguir em frente nesta nova fase longe daqueles que sempre estiveram tão perto.

Quando decidimos viver longe assumimos o compromisso de sermos felizes e que cada conquista precisa compensar a falta absurda que sentimos da nossa família. Quando resolvemos ficar distantes, assinamos o contrato de fortalecermos uns aos outros, de unir nossas forças e dessa forma, vamos preenchendo nossa bagagem de mais coragem. 

Eu demorei 32 anos para fazer isso e confesso que sou a mais novata no quesito "lidar com a saudade e com a distância". Ele e as crianças estão melhores que eu, não tenho dúvida! 

E sabe o que acho mais importante nisso tudo? É que viver longe não significa que "sofremos" de falta de amor ou de desapego às nossas famílias. Quando moramos distantes da família nós aprendemos a amar de verdade! A amar sem pedir nada em troca, a dar o devido valor, a reconhecer cada coisinha que eles fizeram (e fazem ainda) por nós. Cada segundo juntos é precioso. Cada abraço ou beijo de boa noite é sentido de todo coração.

Quando decidimos viver longe o tempo passa contado, dia a dia, minuto a minuto. "Quando vamos nos ver outra vez?". Estamos sempre nos preparando para o reencontro e para outra despedida. E disso se faz a vida!

Desejo que meus filhos aprendam que viver longe é estar ainda mais perto de amar de verdade. Pagamos um preço alto por essa distância, por isso temos a obrigação de viver bem e felizes. E que  meus filhos saibam que cada reencontro é único e merece ser vivido com todo coração.


Para meu marido Luiz, 
com quem aprendo a ter coragem
de viver longe!

Para minha família,
por quem morro de 
saudades!


terça-feira, 28 de abril de 2015

E aí você entende a primavera!


Quando passamos grande parte da nossa vida num país como o Brasil, sentimos com certa "leveza" a passagem das estações do ano. A rotina de cada um segue seu fluxo e na maioria das vezes, da mesma forma no verão, no outono, inverno ou primavera. As estações mudam e apenas falamos sobre a chuva, o tempo mais seco, a falta de água em São Paulo, o calor insuportável... muitas vezes passamos pelo outono e mal lembramos exatamente o dia que ele começa.

Durante muitos anos, na minha vida escolar como aluna de uma escola pública de Monte Mor, comemorávamos a chegada da primavera. Pintávamos desenhos mimeografados, com aquele cheirinho de álcool, por horas e horas. Fazíamos flores de papel crepom, cantávamos canções festivas pela estação, mas... o que era aquilo? Por que comemorávamos a primavera? Eu sempre via flores pelo caminho da escola e na minha casa o ano inteiro! Que diacho de festa é essa para a primavera?! Viva a primavera? Não dava para entender! Eu achava que deveria ser "Viva o verão" porque estamos de férias e vamos passear na praia. Mas... primavera?! Aquilo nunca fez sentido para mim.

Nunca... até chegar ESSA primavera!


Depois de três longos-intensos-gelados e "engordativos" meses de inverno, eu, finalmente, entendi o que é de fato a PRIMAVERA! Entendi porque as culturas que vivem em lugares de estações bem definidas comemoram com festas e celebrações a chegada dos dias mais lindos do ano. Entendi o sentido de cada florzinha que brota de um chão que parecia estar sufocado de tanta neve. Compreendi a alegria das canções entoando a vida e o renascimento de todos os seres da natureza.

Somos sobreviventes do inverno! E quando avistamos apontar um broto verde no chão é como se fossemos resgatados para a vida outra vez!


Aquela temperatura positiva é motivo de muita alegria, tiramos as roupas de verão do fundo do armário e arriscamos uma blusa sem manga só pra sentir a sensação deliciosa de liberdade. (Se eu pudesse queimava meu casaco de neve!). Andar de tênis, encher os pneus das bicicletas, buscar o João na escola à pé, abrir a porta do quintal, andar de chinelo em casa, comprar uma churrasqueira, desligar o aquecimento, abrir o vidro do carro, OUVIR O CANTO DOS PASSARINHOS QUE VOLTARAM! Coisas tão pequenas que passavam escondidas por mim, agora valem ouro e dou o imenso valor que elas merecem.




Esse ano eu completei a minha primeira primavera nesses meus 33 anos de vida. Agora eu entendo porque as pessoas dizem quando alguém faz aniversário "Parabéns, mais uma primavera!", porque primavera é renascimento de verdade: da natureza, da alegria e da esperança. A vida se renova! É motivo de sobra para celebrar o novo que ressurge do improvável!


Mas é só depois de um inverno rigoroso que você entende a PRIMAVERA!

Welcome Spring! Pode entrar e invadir a nossa casa de flores, cores, cheiros e sabores!!!




sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Uma vida no frio (Parte 2) - porque frio mesmo é em fevereiro!


Você imaginava que aquilo que fazia em dezembro era frio?! Eu também achava! Frio, frio mesmo e de verdade, com tudo tapado de neve acontece em fevereiro! É nessa época que o bicho pega nessas terras geladas do norte do mundo.

Viver num lugar frio como este, faz a gente mudar os hábitos e jeito de ver a vida lá fora. Aqui dentro da nossa cápsula quentinha cultivamos a convivência intensa em família, principalmente nos dias de tempestade de neve, quando não temos para onde ir a não ser ao banheiro ou para os quartos que ficam na parte de cima da casa. 

Vamos começar pelas tempestades de neve. Até elas chegarem não sabíamos muito bem sobre o que se tratava. Começa com os sinais de alerta no aplicativo do tempo no celular. Depois o burburinho pelos grupos de mensagem no whatsapp. De repente, o governador já está na TV pedindo para as pessoas ficarem em suas casas durante os dias em que a Blizzard estivesse pairando pelos ares daqui. Logo em seguida aparece o prefeito anunciando o perigo do fenômeno que estava prestes a deixar a cidade embaixo de muita neve. Os supermercados começaram a ficar lotados, filas e filas no caixa, frutas e produtos esgotados nas prateleiras. Meu Deus! Quero voltar pro Brasil!!!!!!

Foi assim, nessa tensão que presenciamos nossa primeira tempestade de neve e teve logo que ser uma nevasca histórica! Peraí, calma! A gente não precisa de nada tão especial assim! Pode ser uma nevasquinha qualquer!!! Mas não, fomos presenteados por uma silenciosa blizzard que passou quieta pela nossa casa e nos deu um enorme susto quando olhamos pela janela de manhã. Estávamos enterrados na neve e assim continuamos desde então.

Mas aqui ninguém fica preso em casa, se sentindo num filme de terror, sozinho, sem vizinhos, sem gente na rua! Não, eu já teria infartado! Aqui, durante a tempestade, por toda madrugada, ouvíamos máquinas trabalhando e pessoas que vinham tirar a neve da nossa porta. Havia vida lá fora! Pessoas autorizadas a trabalhar na rua enquanto a tempestade de neve caía.

Depois de dois longos dias presos em casa, a vida voltou a funcionar lá fora: as pessoas desenterraram seus carros, as crianças foram se enfiar naqueles montes de neve... nós também fomos, claro!

Na maior alegria vamos preparar as crianças para sair na neve. Simples?! Não!!!! Quase uma missão impossível! Começamos sempre dando uma ajuda pro mais velho que já consegue colocar seu equipamento sozinho: por cima da roupa que está em casa, ele coloca um agasalho de moletom, uma calça de neve por cima da calça de abrigo. Casaco. Luvas. Gorro. Bota. Pronto! Agora fica perto da porta tomando um vento pra não morrer de calor. Próximo: o do meio. Tudo igual, mas ele não fica parado. Temos que correr atrás: bota essa blusa, estica esses dedos direito pra encaixar na luva, volta aqui e põe esse gorro pelo amor de Deus! Eu já estou suando, esbaforida e querendo que essa brincadeira na neve acabe antes mesmo de começar! Falta alguém???? Claro, a filha pequena que detesta luva, gorro, casaco... aí começa outra luta! Vira e me dá o braço pra colocar essa roupa! Pare quieta, menina! Não tire a luva que eu acabei de vestir!!!! Ahhhhhhh!

Uma hora depois: todos prontos na porta sem conseguir andar direito. No primeiro passo lá fora a Helena já cai no chão e não consegue levantar de tanta roupa! A neve já toma conta de todo o seu corpinho, mas ela não desanima! O frio parece dar socos na nossa cara. As crianças brincam felizes nos montes de neve e se enfiam naquela coisa branca que bate na barriga deles. Literalmente afundados na neve!

Eu já não aguentava mais o frio! De repente, um choro! Meu Deus! Que foi Lucas?! E o menino urrava no meio daquele monte de neve, onde só víamos sua cabecinha com aquele gorro azul. Achei que um bicho estivesse picando seu pé, mas que bicho estaria ali no meio daquele neve toda?

O pai tirou o menino correndo daquela montanha de neve e quando vimos, percebemos que ele havia perdido uma das suas botas e foi sentir alguma coisa depois de uns minutos (seu pé já deveria estar dormente). Saímos correndo com ele no colo e, dentro de casa, colocamos o pé embaixo da água quente. Mas ele continuava a gritar e dizia que agora era o outro pé. Só que alí tinha uma bota! Fui dar uma espiada e vi que dentro da bota tinha muita neve! Tira tudo e põe o outro pé na torneira também.

Volta todo mundo pra dentro de casa!
Tanto trabalho pra colocar roupa... para 5 minutos de tolerância no frio e na neve!
Depois o pai saiu para procurar onde estava o outro pé da bota!

Com tanta neve acumulada, ficou ainda mais complicado buscar o João da escola a pé e empurrando um carrinho com duas crianças dentro. Infelizmente o sonho de viver sem carro teve que chegar ao fim... e confesso que a vida com carro é um sonho também!!!!! Mas, aqui na terra gelada, quem tem um carro tem muito trabalho a fazer. Quando cai esse monte de neve é preciso sair do quentinho de sua casa para remover todo aquele negócio frio que está em cima, embaixo, do lado... do seu carro. Essa tarefa mais pesada ficou para o marido que é mais forte e tolera muito mais que eu esse frio da desgraça. Após mais uma nevasca - a primeira com o tal carro - o Luiz sai todo animado para "rapar" (termo utilizado pelos brasileiros que trabalham aqui) sua primeira neve. Ele passou um tempão lá fora, aguentando o vento na cara, com a mão dormente de tanto frio e quando estava quase no meio da tal "raspação" de neve do carro, aparece nossa vizinha com uma pá. E para a supresa do meu marido ela diz: "Opa, acho que você se enganou! Esse carro que você está limpando é meu!". E lá se foi então, meu marido, limpar o carro o certo. 

Pois é minha gente, uma vida no frio não é moleza não. É duro duro que nem gelo. E frio. E branco. Parece que esse mês de fevereiro tem uns quarenta e tantos dias... não passa nunca. Quero ver a hora que esse monte de neve derreter... acho que voltaremos de enxurrada para o Brasil!


Esses dias dentro de casa e só cuidando dessa turminha, fez com que eu buscasse outras formas de extrapolar o que passa na minha cabeça. Então, fiz um video com uma música própria para mostrar um pouco da nossa vida no frio.