segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Apenas mais um Natal em família

A leitoa engordou um semestre inteiro para o dia do Natal. Fomos acompanhando o processo de engorda durante meses, pois meu pai ia nos informando em toda reunião de família (nossos churrasquinhos de domingo).
Eis que chega o grande dia e a primeira convidada desta festa: a leitoa de oito quilos! "Melhor não mostrar pras crianças, elas podem não entender e confundir com os contos de fadas, três porquinhos ou lobo mal", dizia minha mãe aflita ao receber nossa convidada especial. Um banho relaxante em bastante limão, azeite, orégano, sal e pimenta do reino... assim se preparava a leitoa para a hora da ceia de Natal.
Enquanto isso, nós, pobres humamos mundanos insanos, nos embriagávamos de água gelada para driblar aquele calor insuportável da cozinha onde preparávamos a salada, farofa, sobremesa e petiscos. Porém, lá do outro lado, no quintal da casa, estavam aqueles membros da família que recebem alguns amigos, se refrescam na água fresca da piscina e tomam várias cervejas geladas... Minha irmã, decidiu competir com a leitoa e tomou uma torrada de sol que seu couro ficou bem torradinho, pururuca!
Mas sigamos em frente.
A tarde vai caindo, o forno a lenha levanta sua fumaça e o cheiro da leitoa pode ser sentido do outro lado da pacata cidade de Monte Mor.
Dessa forma, começamos a retirar as senhas para tomar banho - também, uma família toda reunida para dois banheiros, não tem outro jeito. "Banheiro liberado, PRÓXIMO!", dizia cada sujeito ao sair do embaçado sanitário.
Tudo quase pronto: as crianças com sono querendo o Papai Noel, leitoa e peru bem assados, luzes instaladas, cerveja gelada, alguns já arrumaram seus pratos...
Um cheiro de queimado paira pelo ar. A leitoa? Peru? Minha irmã torrada de sol? Não! Eram as luzes de Natal enroladas, como se fosse uma mangueira, que queimavam e deixavam minha avó em pânico: "Fogo! Fogo!". Meu cunhado, o "Magaiver" da família, já saiu correndo, desligou as luzes da tomada, cortou a mangueira e tudo voltou a ficar aceso e lindo outra vez.
E sobre a leitoa, pobrezinha! Estava lá... torrada, com a carinha escondida para não assutar as crianças e para evitar que as pessoas deixassem de comê-la por causa da sua tão singela expressão.
Hora do amigo secreto, para a alegria da criançada! E diversão para os adultos que lavaram a alma ao descrever as pessoas que haviam tirado. Mas, o melhor da noite, foi o presente dado pelo meu pai a sua querida sogra - minha avó! Com a justificativa de ser uma pessoa que pensa no futuro das velhinhas, ele apostou todo o valor do presente em jogos da Mega Sena de Ano Novo. E o pior: embrulhou os bilhetes em papel de presente! A vó, quando viu aquilo, fez cara de "epa!" e agradeceu muito sem graça.
E no silêncio da brincadeira, ouvimos um barulho no fogão. Era a leitoa, cansada daquela festa de família, que simulou uma queda suicída. O meu marido derrubou a assadeira com toda a carne e molho da leitoa no chão. Para não ficar feio, comeu o que havia caído!
Pensam que esse Natal acaba por aqui? Não, ainda falta a chegada do Papai Noel.
As crianças esperavam ansiosas pelos presentes, que estavam bem escondidos. Tocamos a campainha numa simulação ingênua "Ah, deve ser o Papai Noel". E os três meninos subiram deseperadamente para a sala! Ao chegar lá, os dois menores abriram seus pacotes com os olhos brilhando de tanta fantasia. Já o maior, que não acredita mais em nada, entrou naquele jogo de faz-de-conta e procurou o seu presente. Porém, ele se esqueceu que já  havia ganhado tudo - e mais um pouco - do seu pai e sua mãe, antes mesmo do dia 24 de dezembro. E ali, em cima da mesa, bem escondido, estava um envelope com o nome dele e dentro o valor de trinta reais. Decepcionado em não encontrar nenhum grande pacote, pegou o envelope e, quando viu o valor que ali se encontrava, xingou o pobre velhinho do Pólo Norte de tudo quanto é nome feio e chorou inconsolado com o pouco caso do Noel.
Quase final de festa, uns pra lá e outros pra cá. E tem aquele que sempre deixa para comer a janta no último momento... Meu irmão, pegou seu prato, colocou arroz, farofa e a salada. Quando foi até a assadeira dela, nossa protagonista desta história, a leitoa, e retirou o papel alumínio que a cobria, viu que dela sobrou apenas a carcaça e que, lhe caberia apenas, chupar os seus ossinhos!



quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

De Papo Pro Ar
(Renato Teixeira)

Eu não quero outra vida
Pescando no rio de Jereré
Tenho peixe bom
Tem siri patola
Que dá com o pé

Quando no terreiro
Faz noite de luar
E vem a saudade me atormentar
Eu me vingo dela
Tocando viola de papo pro ar

Se compro na feira
Feijão, rapadura
Pra que trabalhar
Sou filho do homem
E o homem não deve
Se apoquentar

Pra começar...

Pra começar, antes mesmo temos que terminar!
E dizem que o ano termina em 31 de dezembro, portanto coisas novas começam no dia que o sucede.
De vez em quando até parece uma bobagem, tem horas que prefiro acreditar.
Então, pra começar eu termino aqui!
Que venha o primeiro dia desse novo ano e que traga novidades para o dia a dia de todos os dias.
E pra começar, resolvi criar esse espaço para registrar coisas desse novo ano que se aproxima, das tantas proezas que me esperam.

Ano novo. Até parece que recebemos uma parede em branco do Senhor lá de cima, na qual podemos imprimir nosso percurso, os rumos que pretendemos tomar.
Pra isso, fazemos planejamento!
Essa é uma boa palavra pra começar...





Essa imagem é do livro Pedro e Tina e foi feita por Sthephen Michael King.

A menina com sorriso de borboleta

De Lívia Pinheiro
Era uma casa de esquina, com um muro baixo e de portão sempre aberto. Tinha uma roseira clara no canto do jardim e um bode de coleira vermelha, amarrado num cotoco de árvore.
Lá era a casa da menina com sorriso de borboleta.
Para ter um bode de coleira e um sorriso de borboleta, só poderia ser uma menina jóia rara de se ver.
O bode de coleira vermelha se chamava Baiano. Ele havia vindo diretamente da Bahia para a casa da menina. Era um presente de sua tia avó Clotilde. O bode era pretinho e brilhante, que nem noite sem lua na cidade, que malemá pode se ver os ciscos de estrelas no céu.
Baiano, o bode, usava coleira vermelha para passear de domingo com a menina bem faceira. De manhã bem cedinho, Baiano pretinho, acorda os vizinhos com seu béééé estridente, feito grito de gente ecoando no ar.
A menina com sorriso de borboleta tinha altura de mesa, cabelo de sereia e vestido rodado colorido de chita. Ela brincava de roda, girava e rodopiava...
Em dia de sol, a menina de chita, saía com o bode para andar pela vila. E foi num desses dias que o bode Baiano, pensando na vida, perdeu-se do rumo certo da menina e foi parar num beco escuro, frio e sem saída. Era o beco dos “Bad Dogs Roller Center”, ou melhor, cachorrada vira-lata que passa dia e noite dando “rolês” pelas ruas da cidade, revirando lixo, correndo atrás de roda de motocicleta, apavorando a garotada da vila com seus dentes afiados e sujos de comida estragada.
O bode Baiano, de pescoço bem fino, espiou aquela cachorrada suja dormindo entre panos imundos e moscas nojentas que zumbiam bem lentas e velavam seus sonos. Baiano prendeu a respiração para não fazer barulho, mas, o Dog Super Chefe, abriu um olho desconfiado, sentiu um cheiro diferente.
Foi quando viu o bode bem pretinho, com carinha de bobinho e orelhas caídas, “Que bicho mais esquisito”, pensou o Dog Super Chefe. Baiano ameaçou correr, ficou com medo de uma empreitada com aquela cachorrada, só que as pernocas cambalearam e, ao chão, o bode se prostrou.
Deu tempo de sobra para os “Bad Dogs Roller Center” se agruparem em torno do Baiano e logo começaram a rosnar incessantemente para o pobre bode de coleira vermelha.
A menina rodava a vila com seu vestido de chita, perguntava para todo o comércio se alguém havia visto o seu bode de estimação:
- Não posso voltar para casa sem meu filho de criação! - dizia a menina desesperada com olhar escancarado para cada esquina da cidade.
- Bode Baiano, cadê você? Quem vai guardar a roseira clara lá do canto do meu jardim?
Nem um béééé de lá se ouvia. A menina teve uma idéia:
- Vou sair e pedir ajuda para o Zé da Madrugada, quem sabe ele ache o bode envolvido em enrascada.
O Zé da Madrugada era pessoa informada, mas do dia com sol claro, não entendia era nada. E explicou para a menina:
- Deixa o dia virar noite, que é na madrugada que eu me acho. Com meus olhos supersônicos, o seu bode não me escapa.
Zé ainda acrescentou:
- Mas me explique como e onde esse bode se perdeu?
E a menina, bem triste, se pôs a explicar.
A menina não mais sorria e o vestido de chita, de rodado, murchou. Era dor e a agonia por não ver mais o bode, seu amor.
O sol enfim se despediu, e a noite, aos poucos, caia sobre a pequena vila.
O bode, de coleira vermelha, agora era mandalete de cachorro sem dono. No beco escuro e de um mau cheiro absurdo, o bode pretinho havia conquistado posto de guarda: enquanto os “Bad Dogs Roller Center” saíam pela noite para virar lixos e procurar comida estragada, o bode Baiano cuidava do beco. Ele ficava parado feito uma sentinela, de orelha em alerta, para não deixar que a cachorrada da banda vizinha, tomasse conta daquele lugar sujo e fedido.
Baiano pretinho sentia falta da menina com sorriso de borboleta, queria voltar para a casa de portão sempre aberto, para cuidar da roseira clara lá do canto do jardim.
Mas é que ali, naquele beco fedido, o bode Baiano era guarda atento da cachorrada. Era pretinho e valente, tinha fama de “berro estridente”, sirene de alta potência, caso o beco fosse invadido.
Baiano gostava desse lado escuro e corajoso... ele estava dividido!
No seu pensamento, de um lado, aparecia a menina de chita com seu sorriso de borboleta. Do outro lado, tinha o beco escuro, o mau cheiro absurdo e o Baiano com pose de “Bad Bode”.
Bad Bode ou sorriso de borboleta? Guardião de rosa branca ou sentinela de cachorro sem eira nem beira? De rua ou de casa de portão sempre aberto? Como era difícil, pensar esses pensamentos, numa cabeça de bode...
De repente, uma luz supersônica iluminou o beco, que de escuro ficou claro como dia de verão. O bode Baiano parado, imóvel, ficou com o grito entalado na garganta e não conseguiu disparar sua sirene.
Era o Zé da Madrugada querendo acabar com aquela emboscada canina e resgatar o bode Baiano, de coleira vermelha.
- Seja lá quem você for, solte o bode de uma vez por todas! – disse o Zé da Madrugada, calibrando seu foco de luz supersônica.
- Sou eu, Baiano. – ouviu-se um fio de voz estridente do bode.
O Zé da Madrugada baixou seu farol e se aproximou do bode pretinho. Baiano conseguiu ver, quando aquela luz baixou, o sorriso de borboleta da menina de vestido de chita.
- Bode Baiano, pretinho! Que saudade do’cê meu neguinho!
E Baiano, correndo, de jeito esquisito, esqueceu sua pose de “Bad Bode” e foi para bem perto da menina. É que seu sorriso de borboleta fez esquecer qualquer posto de guardião de beco. E naquele aconchego de coisa querida, o bode e a menina tiveram a certeza que o certo na vida, era ficarem pra sempre perto um do outro.
Mas, aquele momento, num segundo passou. Tomaram conta do beco, os cachorros sarnentos, rosnando sedentos por confusão. Encurralaram Zé da Madrugada, a menina e o bode contra o muro. A cachorrada babava e latia freneticamente, sem parar.
Foi quando, o bode Baiano pretinho e bobinho, soltou um barulho de sua garganta, um bééééé tão estridente que, ensurdeceu aquela cachorrada toda. É que ouvido de cachorro é muito sensível e, aquele barulho absurdo, fez o bando dos “Bad Dogs Roller Center” sair de mansinho, com o rabinho entre as pernas.
E essa é a história da menina com sorriso de borboleta e do bode Baiano. Quando você passar em frente àquela casa de esquina, com um muro baixo e de portão sempre aberto, verá um bode de coleira vermelha, porém, não mais amarrado num cotoco de árvore, cuidando de uma roseira clara no canto do jardim.