quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Sobre o amor que nunca envelhece


Alô, mãe?! Tudo bem??? Parabéééééns! Feliz aniversário?! Quantos anos mesmo?! Nossa!! Já?! Poxa vida, mãe! Está quase perto dos setenta!!! Que coisa mais estranha isso... quando fecho meus olhos e penso em você, posso te ver... eu acho que com quarenta. Naquele tempo em que éramos ainda tão pequenos e que eu cabia no seu colo sentada, deitada, e até em pé (talvez). 
Isso mesmo! Você lembra quando você contava que era tão magra, tão magra que eu nem cabia no seu vestido de noiva aos 15 anos?! E o seu anel de formatura? Aquele que você me deu quando eu também resolvi ser professora como você? Tivemos até que aumentar... seu dedo era tão fininho!
Poxa mãe, ainda lembro quando eu brincava de usar seus sapatos número 34!!!! Eu acho que estava com uns 10 ou 11 anos.
O tempo tem esse jeito engraçado de levar as coisas embora, de mudar o jeito de viver, de modernizar a vida e de separar fisicamente as pessoas que tanto amamos. O tempo transforma, mas acalenta. Leva embora, mas te acostuma com a ausência. Ele tenta compensar a dor da saudade com a nossa capacidade de se acostumar com os fatos.
O tempo é esse cara que hoje te fez mais madura, com seus sessenta quase setenta. 
Só que ele pensa que pode envelhecer tudo?! Não, não! Ele não envelhece nunca esse amor que existe entre uma mãe e seu filhos. 

Por isso sempre dizemos: um filho será sempre uma criança para sua mãe. Assim como uma mãe, será sempre jovem o suficiente no coração do seu filho! Sempre, ao fechar os olhos, podemos sentir o frescor do sorriso de uma mãe, sua disposição e entrega para cuidar e preocupar-se com suas crianças. Uma mãe sempre terá o colo do tamanho da saudade que um filho pode sentir. E o abraço mais forte, mesmo quando não há mais forças para abraçar.

Alô mãe, você está aí ainda? A ligação está ruim, não estou te ouvindo?! Desculpa, estou com o choro engasgando a minha voz aqui também. Não tem jeito, mãe! Pensar em você assim tão longe, sem poder te dar o abraço que está guardado há mais de um ano, me faz não conter as lágrimas.
Mãe, aproveite o dia de hoje. Faça aquele bolo que você sempre fez em todas as festas, convide seus amigos, reze com a turma do terço e agradeça à Deus, por mim, PELA A SUA VIDA e por esse amor que há entre nós, que nunca envelhece.
Ah, e nunca se esqueça: eu te amo desde o primeiro respirar aqui na Terra. Não, não! Desde a primeira batida do meu coração dentro do seu ventre! Não, não! Acho que foi antes mesmo de você ser escolhida para ser a minha mãe.
Um beijo grande! Tchau, mãe.
Agora pode desligar!


sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Carta para o amigo que não verei mais


Não sei muito bem como começar essa carta, talvez porque eu não saiba o que realmente é uma carta e também nem saiba como escrever. Sim, ainda não sei escrever uma frase se quer porque na escola andam nos ensinando letras e sons de algumas palavras. A nossa professora, você se lembra dela ainda? Então, ela não conseguiu sequer arrumar uma tradução para a palavra saudade! Muito menos me ajudar a colocar em um monte de letras esse negócio esquisito que estou sentindo depois da sua despedida. Acho que você não conhece essa palavra também... na Coréia existe isso, saudade?
No Brasil nós sentimos muita saudades... saudades da família, da comida, da praia... e eu, agora sinto saudades de você. 
É que você foi o primeiro amigo "de verdade" que eu fiz aqui. Digo de verdade, pois você é da minha idade, da minha escola, da minha sala de aula e também do meu quintal. Isso não lhe parece perfeito para um amigo de verdade? Sim, esse era você aqui. 
Sei que a culpa não foi sua. Nem minha. Acho que essa ideia maluca dos nossos pais em sairem pelo mundo procurando um jeito novo e melhor para se viver foi o motivo de tudo isso.
Primeiro eles escolheram viver longe das nossas famílias e nós sentimos a tal saudade. Depois, quando a saudade já ficou mais mansa, que a gente conhece gente nova e legal, eles decidem voltar para onde nós nascemos (ou para outra cidade). E aí a gente sente saudade outra vez, daqueles que deixamos naquele velho lugar.
Você acha bom viver assim? Você acha bom chegar em um lugar sozinho, sem amigos e depois que os encontra, precisa se despedir outra vez?
Não sei se acho bom ou ruim. Agora, aos 5 anos, não sei pensar sobre isso muito bem. Não sei sequer dizer o que sinto aqui dentro de mim quando entrei na nossa sala de aula hoje e você não estava mais lá. Era um aperto dolorido, que deixou minha barriga gelada, minha cabeça confusa... com quem eu iria brincar e sentar junto? 
Sabe Donny, as escolhas que nossos pais fizeram talvez sejam incompreendidas agora, mas depois pode ser que algo bom aconteça para nós. Teremos amigos espalhados pelo mundo! 
Outra coisa meu amigo, nós aproveitamos muito cada minutinho que passamos juntos. Rimos, corremos pelo barranco, nos acidentamos, choramos, pedimos desculpas, nos entendemos sem ao menos saber falar a mesma língua. Porque a amizade é algo que não precisa de muitas palavras! A gente entende com o olhar, com a simples companhia.
Meu quintal vai ficar vazio por algum tempo. E esse tempo vai passar também e vai ajudar a curar esse aperto que eu sinto no meu peito. 
Se alguém na Coréia te perguntar o que significa SAUDADE, diga que é ver a casa do grande amigo vazia, o quintal sem companhia e seu "cub" sem a mochila. Isso é saudade!

Boa sorte amigão!
Nos veremos via Skype, FaceTime, Coréia, EUA ou Brasil.
Somos do mundo e com certeza nos encontraremos por aí!
Lucas Leiria
(Se pudesse usar as palavras hoje!)

..........................................................................................................................................
Making off do episódio...

Ontem, na mesa do jantar, Lucas preocupado pergunta:
- Mãe, quantos os dias o Donny vai ficar longe? - e mostra todos os dedos de sua mão, - tudo isso de dias, mãe?!
Eu respondo:
- Ichi filho, vai ser muito mais que isso. Será como a Clara e a Betina, faz tempo que elas foram e não voltaram, né?! Mas deixe o João, seu irmão mais velho e experiente te ajudar com esse assunto. Ele já viveu essa situação algumas vezes. Diga algo para o seu irmão, João.
- Eu acho que eu não passei por isso, mãe - diz o João - Os amigos que eu deixei no Brasil eu sei que posso encontrar outra vez quando a gente voltar. Mas o Lucas, .... , (pausa, longa, doída e já pressentindo o que estava por vir) ... Lucas não vai ver mais o Donny PARA SEMPRE.

Ok! Obrigada João pela sua super ajuda e agora, vamos ver se a Helena terá algo a acrescentar!!!!!

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Que espírito é esse?


        Noite fria e chuvosa na mata. Ouço os primeiros pingos de chuva a cair e a fazer aquele barulhinho bom que me remete a um lugar já conhecido na memória, no tempo da minha infância. Não consigo mais pegar no sono porque meus pensamentos buscam a familiaridade desse som contínuo da água batendo firme na lona dessa barraca. Lá fora, só o barulho do movimento das folhas das árvores e dos pingos a encharcar o chão dessa enorme floresta. Mas que lembrança é essa? 

Viro para o lado e vejo meus filhos dormindo um sono de paz, todos envolta de mim e do meu marido que respira fundo e continuamente. A chuva segue seu ritmo, agora mais forte e o barulho da água caindo nem os acorda… mas, eu sigo buscando a lembrança desse som familiar. Bastou olhar para cima e pude reconhecer que esse era o som da barraca que minha mãe montava no quintal e, que nos dias de chuva, era nossa "casinha" de faz de conta”. Lá colocávamos um colchão e passávamos horas brincando, até a chuva passar. 

Eu, meus irmãos e primos (que morávamos na mesma rua) tínhamos uma certa fissura por barracas. Nossa primeira “barraquinha" oficial - e de pano - era da turma da Mônica. Nós ganhamos do padre amigo da nossa família e nela, tinha que caber no mínimo 6 crianças (irmãos e primos). Como era bom dormir na barraquinha, comer na barraquinha, jogar na barraquinha! Nossos pais nunca nos levaram para acampar, mas sempre construíam barracas no quintal ou em um terreno baldio na rua de casa. E nos dias de chuva, ficar dentro da barraca era a maior de todas as emoções! Lembro-me do cheiro da lona laranja, dos furos que nela havia, do barulho das nossas risadas e dos pingos de chuva a cair no teto, pingos estes que me acordaram nessa noite chuvosa e me roubaram o sono.


       E cá estou eu com minha família e uma família de amigos, no meio de uma floresta em New Hampshire (norte do Estados Unidos, já quase perto do Canadá). Sim, uma daquelas floresta que a gente vê em filmes e que, de repente, pode aparecer um urso para comer a sua comida. Claro que não será o Zé Colmeia com o Catatau! Mas um urso grande, com unhas afiadas e faminto pelas guloseimas que você comprou no supermercado da cidade. 

Fomos recebidos no acampamento com mensagens de alerta: "Como reagir se “você, por um acaso, encontrar um urso”. Ah sim, muito obrigada! Com certeza esse manual de como me comportar na frente de um urso me ajudará muito. E dizia ainda: “Não tire foto ou faça filmagem”!!!! Quem teria esse sangue frio de encontrar um urso “unhudo" e fazer uma selfie?! Começamos muito bem nossa aventura! A Helena arregalou seus big olhos pretos e ficou em alerta todo tempo: “Mamãe, aqui tem Betty grande” (pra quem não sabe, Betty é o urso de pelúcia da Helena que já virou um membro da família. Ela já visitou muitos lugares e ficou perdida em Nova Iorque. Temos esperança em encontrá-la novamente em algum filme ou museu de história natural).

     Pois é, então me diga: que espírito é esse que te leva para um acampamento, nos arredores de uma enorme floresta, com a sua família, para um final de semana de 3 dias? Foi essa pergunta que me motivou a voltar a escrever nossas histórias aqui no blog. Preciso explicar a mim mesma esse sentimento contraditório que me faz feliz! 

Contraditório porque em um acampamento você não tem descanso em um ofurô, nem pode sentar e comer a melhor comida de um restaurante, você não dorme em uma cama redonda com lençóis de seda. Em um acampamento com a família você - anota aí para não esquecer - dorme em um colchão de ar que murcha no meio da noite e cada vez que um vira pro lado, o outro precisa virar também; você anda uns minutos para chegar até o banheiro mais próximo (ou seja, não pode ter dor de barriga); você come somente aquilo que pode ser feito em uma fogueira; você fica com o pé sujo o tempo todo; você anda curvado dentro da barraca e quando sai dela, continua a andar curvado e não sabe o motivo; você toma banho se for possível e se for realmente preciso; você fica cheirando a fumaça o tempo todo (precisa tomar banho?!).

Só que tem um lado dessa aventura - que deve ser onde mora esse tal espírito - que não tem como explicar completamente em palavras. 


Acampar com os filhos é oferecer para eles um céu estrelado, o cheirinho da chuva que molha e mantém viva a floresta, é mostrar que a natureza é esplendorosa e perfeita, que ela nos acolhe e nos dá a sensação de pertencimento a essa infinita e complexa beleza que é viva, que é vida. Acampar com os filhos é dar essa presente ancestral de conversar, cantar e ouvir histórias ao redor do fogo, aprender como fazer a madeira se transformar em calor para garantir nosso alimento. É deixá-los explorar de pés descalços os arredores da mata, conhecer as árvores que estão de pé, subir naquelas que já caíram e olhar com cuidado para aquelas que estão a crescer. Tudo bem se escapar um xixi (dois, três ou quase todos) porque o banheiro é longe e a brincadeira está muito boa para parar. Ver a Helena (mijada o tempo todo), andando com um enorme galho na mão, com os cabelos ao vento, descalça e chamando o irmão para uma aventura… Ah! Essa cena não tem preço! 



        Acampar é colocar a família em uma "prova de trabalho em equipe" - isso também deve fazer parte do espírito. Todos precisam fazer alguma coisa, dividir tarefas: cuidar do fogo, da comida, da porta da barraca sempre fechada, das brincadeiras, dos mosquitos, etc. Acampar “em famílias” é adotar um grupo de pessoas para lutar pela sobrevivência coletiva! Assim, ficamos ainda mais próximos, cuidamos uns dos outros e dos filhos dos outros como se fossem nossos. Dividimos a comida, as tarefas, cobertores e as histórias de vida! Compartilhamos esse momento de sentimentos contraditórios e nos unimos por esse tal espírito que a gente não consegue explicar ao certo com palavras. A gente sente esse espírito! E a gente só consegue sentir isso se abrir mão do velho conforto do sofá de casa, do chuveiro e do banheiro, da comida no fogão e na geladeira.



        Confesso que estar de volta nessa barraca em uma noite de chuva, me trouxe novamente a deliciosa lembrança da minha infância, quando esse tal espírito me rondava, esse desejo de estar perto da natureza separada apenas por uma lona colorida. Saber que a imensidão de uma floresta acontece ao meu lado (bichos andam, se alimentam e vivem bem perto de mim) e que posso experimentar essa aventura ancestral com respeito e gratidão. 

Que bom que meus filhos podem viver isso com a gente! 

Espero que, em alguma noite de chuva, escutem os pingos a cair no teto de uma barraca de lona e se lembrem também de algo familiar de sua infância. Que sintam o aconchego e a coragem desse tal espírito que nos une ao bem mais precioso que temos: as pessoas e a natureza!