quinta-feira, 16 de outubro de 2014

100 dias nos Estados Unidos

Quando nasce um bebê, os pediatras nos dão 3 meses para que seu filho se acostume com a nova vida fora da barriga. Quando uma criança começa a frequentar uma nova escola, as professoras nos orientam a ter paciência e a acompanhar de perto os 3 primeiros meses de aula. Ou seja, três meses é o tempo suficiente para haver adaptação, seja ela qual for! 
Parece que foi ontem, mas já estamos aqui há exatamente 100 dias! Posso considerar que somos vitoriosos, pois confesso que temi ter que voltar para o Brasil logo no segundo mês. Vencemos esses 3 meses de adaptação e agora, oficialmente, nos consideramos adaptados. 
Já sei que, os brasileiros que moram aqui e estão lendo, devem balançar a cabeça negando essa minha frase anterior e, com certeza, estão dizendo: "Foram 100 dias de verão e outono! Deixa chegar a neve!". Tudo bem, gente! Prometo que escreverei um próximo post contando sobre os... quantos dias mesmo???? Uma eternidade de frio e neve!!!!


Mas... voltando aos 100 dias aqui, gostaria de escrever algumas coisas que nos conquistaram de cara nos EUA e outras que nos fazem falta e nos enchem de saudades do Brasil.

Poderia fazer uma lista de 100 coisas, aproveitando o ensejo! Mas quem aqui aguentaria ler? Nem eu! Contarei com a colaboração de meus filhos e marido para compor essa lista.




- No top, com certeza, foi a quantidade de árvores espalhadas pelas ruas, pelo condomínio onde moramos, na escola... por tudo! É extraordinário viver em um lugar onde há uma visão verdinha (ou multicolorida, como no outono), com sombras, esquilos, etc.

- Como não falar da organização! Ela está na rua, no trânsito, nos jardins... tudo arrumadinho e lindo. Na escola, tudo funciona por e-mail, sites, cronogramas... No condomínio, você escreve para a manutenção e rapidamente aparece alguém na sua casa para ajudar a consertar alguma coisa.

- O respeito ao consumidor, é impressionante. Compramos umas coisas logo na chegada  e elas não deram certo, ou não ficamos satisfeitos com o produto. Voltamos ao supermercado com tudo, entramos numa pequena fila e, ao chegar no caixa, a pessoa perguntou "Está tudo certo dentro da embalagem?", respondemos que sim. E ela nos devolveu todo o valor em "cash"! Nem nos perguntou o motivo da devolução. Nem tivemos que ligar para o 0800!!!!

- Preço das coisas. Eu que nunca fui de consumir ou ser louca por comprinhas, aqui me transformei! Como as coisas são realmente baratas! De verdade! Principalmente as roupas das crianças; nada mais justo... usa-se menos tecido, por isso, paga-se menos. No Brasil parece ser o contrário: tem roupa de criança mais cara do que de adulto. Aqui tem cupom de desconto  para tudo, você ainda pode pagar mais barato.

- E os produtos de limpeza?! Tudo para você ter menos trabalho com os afazeres de casa. Não se lava banheiro e nem cozinha. Não tem rodo, pano de chão ou tanque de lavar roupas. Tudo se resolve com um papel toalha e um produto em spray. Poxa vida, me perguntei, mas tanto papel você, de alguma forma, aumenta a quantidade de lixo produzido? Ai pensei na quantidade de papel que usamos em sala de aula, com coisas da escola... pelo menos não estou mais fazendo isso! Compenso do outro lado. Mas nem é tanto papel assim... aqui em casa pelo menos é uso consciente!

- A escola pública onde o João estuda é de tirar o chapéu! Toda sexta-feira a professora manda para as famílias um "update" da semana, contanto o que fizeram e os itens do currículo que foram trabalhados. As sala de aulas são amplas, equipadíssimas, fora dos padrões "carteiras viradas para lousa". Os livros que ele pega na biblioteca semanalmente são de primeira qualidade! Impressionante! A comissão de pais funciona e eles se organizam para levantar mais verbas para a escola, mantendo assim a qualidade de tudo, como por exemplo, garantir um Macbook para cada criança nas aulas de informática. O apoio pedagógico aos alunos com dificuldades ou estrangeiros realmente acontece; há grupos de apoio para a língua, matemática, etc. com profissionais especializados.

- Aqui tem umas lojas que vendem apenas bebidas. Elas são super controladas e até temos que mostrar o passaporte para comprar uma garrafinha de cerveja! E é da cerveja que esse item vai falar! Aqui podemos encontrar uma variedade gigantesca de tipos, sabores, nacionalidades de cerveja e por um preço normal. Não é como no Brasil, que pagávamos mais de 15 reais em apenas uma garrafinha de cerveja artesanal. Aqui você paga 10 dólares em um engradado com 6 cervejas. E tem para todos os gostos!

- Fomos muito bem recebidos pelo povo daqui! Sempre prontos a ajudar, a falar devagar para podermos entender, sempre dizem "hello" e nos surpreendem com gentilezas no transporte público ou pelas ruas e estabelecimentos. Mas tem gente também que não dá lugar no trem para uma mãe com um monte de filhos como eu! É uma minoria, mas tem também.

- E por falar em filhos, aqui encontramos espaço para uma família com 3 crianças pequenas. Somos uma família normal! Podemos usar no supermercado um carrinho com três espaços para as crianças,  tem  acesso fácil na rua para andar com carrinho e elevador em todas as estações de metro.

- Segurança! Podemos andar pelas ruas sem medo ou pavor em ser abordado. As casas não têm muros e as entregas feitas podem ficar na porta da sua casa que ninguém leva embora.

- Aqui, encontramos também, famílias brasileiras que nos acolheram com todo carinho do mundo e nos ensinaram tantas coisas sobre a cidade, o frio, as roupas, as comidas... E assim, de encontro em encontro, amenizamos a saudade de estar com quem a gente ama, pois entre as famílias brasileiras compartilhamos o que somos individualmente e como sujeitos de uma mesma cultura.

Mas a gente morre de saudades do Brasil, porque aqui não encontramos...

- o abraço e o carinho dos nossos familiares! Sofremos de saudade aguda dos nossos pais, meus irmãos, sobrinhos, da vó... dos tios, primos! (E de todos os amigos queridos que deixamos no Brasil).
- a carne deliciosa que comemos aí... a picanha, o filé, a costela gaúcha! Dá água na boca só de escrever.
- a variedade de sabonete em barra para tomar banho. Aqui só tem o Dove e é caro pra chuchu.
- a mandioca frita, a sopa de mandioquinha, o mamão papaia, a banana prata, o churrasco, o chimarrão, o charque, o carreteiro, a bisnaguinha, requeijão,  pão francês, o pastel... ficaríamos até amanhã escrevendo as delícias brasileiras que nos fazem tanta falta!
- nosso carro que nos levava para qualquer lugar em dias de chuva, de frio ou de muito calor.
- nossos livros em português que ficaram presos em caixas escuras e tristes.
- um cartão de crédito e as deliciosas parcelas sem juros!


E desse jeito a gente vai seguindo, ultrapassando os 100 primeiros dias e rumo à próxima etapa: encarar o frio! Quantos dias mais virão? A gente ainda não sabe não... mas que sejam todos de superação e muito felizes! Se Deus quiser, serão!




terça-feira, 7 de outubro de 2014

As árvores, a infância e as estaçōes do ano

Quando éramos crianças na rua Amadeu Ginefra, lá em Monte Mor, no interior de São Paulo, tínhamos o privilégio de brincar protegidos do sol, pois lá havia um corredor de árvores que deixava o nosso espaço como nenhum outro na cidade, no país e no mundo. Pelo menos era isso que pensávamos naquela época! Em média, por cada casa, havia duas árvores plantadas e quase nenhuma briga entre vizinhos por causa de disputa por sombra.
Era embaixo das árvores que inventávamos nossas mais deliciosas brincadeiras, que brigávamos disputando jogos ou brinquedos, que sonhávamos com nosso futuro! Nas árvores amarrávamos balanços e embalávamos diversas cantigas e versos. Pela observação de suas majestosas copas, acompanhávamos a mudança das estaçōes e inventávamos cenários com suas folhas, flores e pequenos frutos que caíam.
Nós tivemos esse privilégio! 
Até que o tempo foi passando na rua e, o que nos protegia, passou a ser "risco de vida"! Diziam que as árvores comprometiam as construçōes das casas e assim, uma a uma, as árvores foram sendo arrancadas do cenário mais mágico da nossa infância.

Nossa casa ainda está lá na mesma rua e apenas uma das árvores sobreviveu à esse "arvorecídio". Ela ficou guardando nossos maiores segredos e se manteve silenciosa observando se alcançamos os nossos sonhos.

(...)

Nossa árvore no verão
Quando meu marido veio antes para os EUA para alugar a nossa casa, ele me mandou uma foto e disse que teríamos uma enorme árvore no quintal que abraçaria a nossa casa e tomaria conta das vistas de todas as janelas! Essa foi a melhor notícia (depois de saber que eu nāo teria um tanque de lavar roupas!). Ao chegar em nossa nova casa beeeem vazia em Boston, nos deparamos com a esplendorosa árvore do quintal e com toda essa paisagem arborizada daqui. É incrível como tem árvores nesse lugar!!!! Estava tudo verdinho e lindo! Tudo isso em volta da nossa casa. 
Podemos chamar de nossa árvore? Ela não respondeu! Acho que isso foi um sim!!!!



Me emociono de pensar que meus filhos estão podendo viver essa magia de observar o passar do tempo e as mudanças de estaçōes olhando para esta - e outras milhares - de árvores! Uma banalidade? Não! Prioridade, eu diria!

E assim nós nos encantamos com cada coisinha que acontece com ela! Agora, com a chegada do outono, estamos hipnotizados pelas belezas da natureza. Cada cantinho é uma pintura, uma obra prima! Aqui eu não ganho flores das crianças, ganho folhas! Vermelhas, laranjas, multicoloridas, ou até do Brasil; essa molecada passa horas caçando a mais bonita!

A natureza é quem dá o show e nós apreciamos de camarote essa belezura!






quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Mandala de corpos

Na Escola do Sítio (lugar onde trabalhei e onde este projeto foi realizado em 2013), o ano letivo começa com a escolha e a apresentação do objeto disparador. O professor de cada turma (do 1º ao 5º ano) seleciona um objeto pensando e considerando as possibilidades que o mesmo poderá oferecer para o trabalho com seu grupo de crianças. Esta é, também, uma escolha imbuída de subjetividade, expectativas e objetivos concretos.   Quando a turma conhece o objeto que os acompanhará durante todo o ano, os alunos começam a levantar possíveis estudos (rede de ideias), fazem relações com outros temas, investigam a sua história, etc. 
O objeto disparador é aquele que lança nosso trabalho como flecha no horizonte e saímos correndo atrás, em busca de perguntas, novos caminhos, um jeito diferente de conhecer o mundo, suas coisas e pessoas. 


É assim que tudo começa! 
O estudo da simetria iniciou então com o caleidoscópio, o objeto disparador da turma do 3º ano de 2013, e se bifurcou por “ruas e avenidas” do nosso tempo escolar.
Duas cabeças, de Alex Flemming
Ao observar as imagens produzidas pelo curioso brinquedo, as crianças perceberam que os espelhos faziam essas imagens se multiplicarem igualmente, que havia simetria. Descobriram também que as mandalas eram inspiradas nos caleidoscópios e até viravam estampas para tecidos. Diante de tantas perguntas e descobertas, iniciamos um estudo sobre a simetria das mandalas, no qual pudemos perceber que também há simetria em outras coisas: nas folhas, flores, animais, formas geométricas, obras de arte, etc. Essa observação foi feita em nossas rodas da conversa ou em propostas mais específicas, como por exemplo, quando conhecemos a obra de Alex Flemming intitulada de “Duas cabeças”. Também pudemos explorar a simetria no casco da tartaruga trazida por uma aluna para passar o dia na escola!

Uma das opções, dentro deste trabalho, foi explorar a simetria que há em nosso corpo, aproveitando os desenhos (representações humanas) que as crianças de 8 e 9 anos fazem. Algumas já tentam ser fiéis aos detalhes, garantindo todas as partes do corpo, mas outras ainda utilizam “homens palitos”. 
Iniciamos com uma conversa sobre as partes do corpo e a distribuição harmoniosa de cada uma delas. Traçamos uma linha imaginária que cortava, da cabeça ao final do tronco, e as crianças comentavam: cada braço de um lado, olhos, orelhas, pés também; cinco dedos da mão de um lado e outros cinco do outro, da mesma forma que os dedos do pé. E o que temos unitariamente (como nariz, boca, etc.), ficaria cortado ao meio pela linha que imaginamos.

Em duplas, as crianças se desenharam em tamanho real, na tentativa de buscar um contorno próximo ao exato. Foi difícil conseguir: alguns alunos se mexiam e a forma ficava estranha, ou quem estava fazendo o contorno não riscava próximo ao corpo e, esse fato, dava uma proporção não “real” ao que estava sendo feito. O dono do corpo não ficava satisfeito com suas formas e pedia um novo desenho. Depois de tudo pronto, finalizaram o traço com canetinha grossa e recortaram.


Corpo, simetria e diversidade
O próximo passo seria pintar esse corpo, mas... como chegaríamos a cor da pele de cada um? Para isso usamos tinta guache nas cores azul, vermelho, branco, preto e amarelo. Tivemos uma longa conversa: “que mistura faremos para pintar a nossa cor?”. Percebemos que em nosso grupo há diversas tonalidades e que, chegar ao tom perfeito de cada um, não seria nada fácil. Então, as crianças misturaram as tintas e chegaram aos tons de pele mais rosados e foram conferindo quem tinha aquele tom (pintaram manchas nas mãos). Depois, misturaram outros tons mais voltados para o marrom e acrescentavam branco quando necessário. Dessa forma, cada um foi buscando a sua cor e pintando seu corpo. 
Ouvíamos as crianças levantarem hipóteses: quais crianças teriam a mesma? Por que outras não teriam? E assim, davam as sugestões para que as misturas de tinta se aproximassem mais às cores de cada pele. Um aluno insistia que a sua cor não era nenhuma daquelas misturas, dizia que sua cor era branca. Então, oferecemos o pote de tinta branca para que conferisse se aquela era realmente a sua cor. E ele nos respondeu: “Não sou dessa cor também, sou branco!”. E após conversas e experimentações com a tinta, o aluno chegou à conclusão que as pessoas dizem ser brancas, mas na verdade não são. 
Para algumas crianças, falar sobre a cor da sua pele não é algo tão simples assim. Já para outras, a mistura virou uma gostosa brincadeira, como por exemplo, uma aluna que disse: “Coloca marrom no meu que eu sou escurinha!”; ou esse outro menino: “O meu tom está muito claro, põe mais marrom porque a minha mãe diz que eu estou sempre sujo”. Porém, uma criança da turma, que tem o tom de marrom mais escuro, resolveu não fazer as misturas e ficou esperando sobrar algum copinho com qualquer tom de pele para se pintar. Percebemos que seu corpo no papel havia ficado quase vermelho escuro. Ela não se sentiu satisfeita e estava incomodada com aquela cor, por isso, descartamos aquele trabalho e ela começou tudo outra vez. Mas primeiro ela resolveu fazer todos os detalhe: pintou a sua roupa, sapatos, cabelo, traços do rosto e deixou por último, a cor da pele. Quando já estava tudo pronto, a aluna solicitou a minha ajuda para fazermos juntas a mistura que representasse o tom da sua pele. Nesta etapa do trabalho as crianças se reconheceram como diferentes e semelhantes – etnias e cores.
Os corpos ficaram em um grande varal e aquela imagem incomodou um pouco alguns alunos. Até disseram que nossa sala estava parecendo um açougue! E ali eles secaram e esperaram a próxima etapa do trabalho...

... que foi desenhar o rosto usando o espelho para ajudá-los a compor os detalhes. Era como se o espelho confirmasse aquilo que eles buscavam: qual é a cor do meu cabelo? E o formato dos meus olhos? Meus dentes aparecem no meu sorriso? As crianças também desenharam e pintaram suas roupas, sapatos e outros detalhes que achassem interessantes. E novamente esses corpos descansaram e secaram nos varais.
E agora, o que faríamos com todas essas representações? Oras, uma mandala! A turma já havia feito um trabalho com a professora de Ed. Física (mandalas humanas), porém utilizaram seus próprios corpos. Saímos à procura de um espaço possível para colar essa grande exposição humana e escolhemos um lugar muito movimentado, perto do refeitório.

Chegou o dia de compor a nossa mandala e fizemos uma roda especial para levantar os critérios de organização dos corpos no desenho circular. Aproveitamos o assunto das medidas e preenchemos uma tabela com a altura de cada criança (em metros e centímetros). Depois, organizamos nossos dados da menor para a maior altura. Já no espaço onde seriam expostas as mandalas, os alunos retomaram a conversa da roda e elegeram uma composição simétrica, fazendo equivalências das medidas das alturas, aproximando e combinando as informações.
Tudo organizado! Só faltava encher esses corpos de fita adesiva e colar em nossa parede amarela! Depois de pronto, era só posar para foto e apreciar esse longo, mas muito bonito, trabalho.

Mandalas para Todos
Com destaque, nossas mandalas instigaram os olhos de quem passava perto delas. Pudemos escutar as perguntas das crianças da Educação Infantil, por exemplo: “O que é?”; “Por que estão aí?”; “Tem um cabelo amarelo igual ao meu!”, durante a hora do almoço e as inúmeras visitas rápidas que transitavam pelo refeitório da escola. Ou, simplesmente, era possível ver as pessoas passarem, pararem e apreciarem continuando seus caminhos logo em seguida. As crianças ficaram orgulhosas ao receberem tantos “parabéns” de colegas de outras turmas e dos funcionários.



Créditos da Postagem

* Este trabalho teve a colaboração da professora auxiliar Natalí Faria.

* Escola do Sítio
Endereço: Rua Uirapuru, 820. CEP: 13082-706- Campinas – SP
Tel: (19) 3289-6433