domingo, 3 de fevereiro de 2013

Novos tempos para velhos sentimentos - O primeiro "luto" de uma criança


Era para ser apenas uma brincadeira de criança, um jogo de faz de conta em que meu filho mais velho poderia ser um pinguim que mora numa ilha de gelo. Lá ele tem um iglu, participa de lutas, muda de faixa, ganha moedas quando vence desafios, encontra amigos... Jogo de faz de conta com login e senha. Novos tempos mesmo!

O João participa de um clube virtual há mais de dois meses e tem se dedicado (quando nós, pais, autorizamos que use o computador) a ganhar moedas e mudar de faixas em lutas com Senseis. Eu já fui convidada para conhecer seu iglu, ver as coisas que já comprou para enfeitar a sua casa e os adereços que pode usar para passear pela ilha gelada. Pois é, meu filho de 5 anos já tem até casa própria!

Para entrar nesse clube virtual, o João teve que criar um nome fictício e contou com a ajuda do pai, pois nós temos que autorizar a participação dos filhos. O desastre já começa por aí: pais que querem "viver" situações pelos filhos. O meu marido acabou escolhendo um nome que só nós da família sabemos o porquê - Pintomilhos! Imagine só, o João encontrando os amigos nessa ilha virtual: "Ei, olha lá! Chegou o Pintomilhos!". E o pior... João nem se importou com o nome, pois estava extasiado em participar do clube mais falado na escola.

A história do pinguim Pintomilhos começou e o João se dedicou esse tempo todo a ganhar moedas, vencer desafios ninjas, lutar com Sensei e mudar de faixas. Mas a maior de todas as motivações para o jogo, era comprar um Puffel. Puffel? Eu também não sabia o que era isso até comprarmos vários livros da coleção do clube, pois além de ter esse mundo virtual, as crianças também podem (ou precisam?) comprar os livros com dicas e códigos secretos que ajudam lá dentro da ilha. Um grande mercado para o consumo infantil!

Voltemos aos Puffel: bichinhos peludinhos (não alérgicos) que ajudam os pinguins na ilha. No nosso mundo: bichos de estimação.

Depois de tanto tempo juntando moedas, depois de tantas vezes perguntando “Pai, já posso comprar meu Puffel?”, depois de ouvir tantos “nãos”, neste final de semana o João conseguiu comprar a bolinha de pelos virtual! Foi um momento de muita emoção: a escolha da cor, o nome que seria dado (dessa vez escolhido pelo João), as moedas necessárias! O João estava radiante e falava: “Mãe, olha, ele anda comigo por toda ilha. Mãe, olha, ele mora comigo no iglu. Posso dar pizza pra ele comer. Posso pentear seus pelos...”. Judoca – como se chamou o Puffle – era a coisa mais querida para o meu filho até...

 O João ainda não sabe ler e é incrível como ele perambula pela internet (e por essa ilha) com autonomia, só que esse aspecto da leitura atrapalhou a sua alegria!
 
Nessa coisa de clica aqui, clica ali, “ok” de cá e “x” pra lá: O PUFFLE SUMIU! Meu filho me olhou aflito, com lágrimas nos olhos, com a garganta engasgada e disse “Mãe, eu perdi meu puffel”. Eu havia acompanhado tudo, a compra, os passeios, a pizza e o penteado engraçado e depois, tirei meus olhos da tela do computador. Foi aí que o bichinho sumiu.

Foram exatamente cinco minutos de muita alegria para uma hora de muita tristeza. Do céu para o inferno, como disse meu marido. João nunca havia chorado assim, nem quando decidimos doar nosso cachorro de verdade por causa da superlotação da casa.

Ele chorou desesperadamente, lastimou cada detalhe de sua luta para poder comprar o bicho e dizia “Me deu tanto trabalho, foram tantas moedas...”. Nós, pais, tentamos explicar que aquela ilha, aquele bicho, essas coisas não existem. Mas será? Parecia realmente que ele havia perdido alguém.

No mundo da minha infância o limite entre o faz de conta e o real era bem delimitado, sabíamos entrar e sair numa boa. Minhas bonecas morriam e nem era tão triste assim. Mas o mundo virtual engana as crianças (adultos também). As emoções envolvidas num jogo como este, não são as mesmas que nos envolviam em nossas brincadeiras da infância. Eu não sabia o que fazer com aquele sentimento todo que o João sentia... deixei-o chorar.

Porém, ao mesmo tempo em que, essas “novas emoções infantis” são intensas também são passageiras: uma hora e meia de choro e puro sofrimento, mas que depois passou. Só ficou o desafio: o que faremos com tudo isso? Eu ainda não sei...



 

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