segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O transporte público em: "MÃE, OLHA O 51!"

Quando decidimos mudar de país, resolvemos também mudar de vida, o que implicava vender nosso carro e usar o transporte público de Boston. Nossas referências eram muito boas em relação ao meio de transporte daqui e estávamos tranquilos com nossa decisão. Tranquilos antes de chegar...
 
... porque quando pegamos o táxi, que nos trouxe do hotel até nossa casa, fui sentindo uma simples angústia que silenciava a minha certeza sobre a vida locomotiva em minha nova cidade. Andávamos, passávamos por ruas, árvores, casas, casas, casas... Meus Deus! Só casas? Só árvores? Onde é que eu vou com essas três crianças? Um supermercado? Um centrinho de compras? NADA! Pronto: o sonho da mudança ia por água abaixo e eu nem havia saído do táxi.
 
Nossa casa fica num bairro residencial , ou melhor, super residencial que não tem mais nada, só residências! Eu tinha a sensação que a cidade estava longe, perdida em algum canto por aí e eu havia ficado apenas naquele enorme pedaço repleto de casas, que por sinal são maravilhosas! Coisa de filme mesmo. Mas, como eu mesma disse, era uma sensação de quem estava chegando num lugar novo e que não tinha noção alguma do espaço.
 
Ficamos sabendo que havia um ônibus que ligava a região da nossa casa com o mundo! Ufa! Esse ônibus tem o número 51 (uma ótima ideia no Brasil!). Pronto, tudo resolvido: um ônibus que nos levará para onde quisermos: supermercado, centro da cidade, passeios, vida fora de casa! Mas nem tanto: o dito cujo do 51 tem hora marcada pra passar, demora de 20 minutos a uma hora nos finais de semana e... NÃO FUNCIONA DE DOMINGO! Como assim? Estamos ilhados, dizia meu marido! "Já me dá falta de ar só de saber que não temos como sair de casa aos domingos!".
Só que esse é apenas o começo da nossa história com o transporte... Depois veio a luta pra saber ao certo os horários, o nome do percurso, se é inbound ou outbound etc. E por algumas vezes o vimos passar pelos nossos olhos e... "Mãe, olha lá o 51", dizia o Lucas. Perdemos muitas vezes, esperamos no sol por quase uma hora... e o 51 foi virando um pesadelo na nossa nova vida. O Lucas, que não sabia contar até 5, agora já conhece o 51. A frase mais ouvida aqui em casa é "Corre, ou a gente perde o 51!".
Aos poucos fomos descobrindo os horários e outras opções de linhas para poder sair pra comprar as coisas da casa, que ainda estava pelada. Agora pensa: uma família com 3 crianças pequenas, um carrinho, uma porção absurda de coisas numa sacola e um ônibus? Ou melhor, tudo isso e um ônibus perdido no outro lado da rua. A família correndo com crianças, sacolas, carrinhos e o 51 lá, longe, indo embora pra não mais voltar. Isso mesmo! Era o último ônibus do dia e estávamos longe de casa, às dez horas da noite e eu com cistite. Nessa coisa toda, meu filho mais velho, compreendendo a situação de não poder mais voltar pra casa, entra em desespero e começa a chorar no meio da rua, entre sacolas e embrulhos: "Eu quero o 51! EU QUEROOO O 51!". Todos nós queríamos aquele ônibus maldito... Não era preciso entrar em pânico: existe táxi! Infelizmente as coisas não eram tão simples assim: uma dezena de táxis passavam por nós e não paravam, provavelmente porque não tiveram coragem de colocar tanta gente e tanta sacola nos seus carros. Era a gota d'água: ou eu ia embora pra fazer xixi ou faria na rua. Decidimos ir num restaurante indiano pra usar o banheiro e pedimos ajuda. Lá eles ligaram para um taxi e deram o restaurante como referência; as crianças estavam exaustas, o João chorava pelo 51, as compras, o carrinho... e nada de táxi. Mais meia hora de espera e aparece um carro dizendo que veio nos pegar. Um carro? Sem a placa de táxi? Um casal? Não sabia onde ficava o nossa casa? Meu Deus! Eu quero ir embora! Eles nos levaram mesmo assim e eu já estava em pânico com aquele casal que andava por estradas desconhecidas sem saber para onde estavam indo. De repente, um posto de gasolina conhecido. Ufa! Era a nossa casa!!!! Chegamos!

Andar de transporte público é uma lição de cidadania, dentre outras lições. A gente aprende a dar lugar, a dividir o espaço com o outro, a ser gentil, a conversar com estranhos (ou pelo menos a sorrir para eles). As crianças observam, ficam em silêncio, correspondem aos acenos e gentilezas, mesmo não entendo muito bem a língua. Observam o mapa, decoram os nomes das estações do metrô, as cores das linhas e as conexões que precisamos fazer. Estamos nos apropriando da nossa nova cidade estabelecendo uma relação afetiva com o transporte público! O trem até virou brincadeira de faz de conta!
 

E como pra tudo no mundo há um aplicativo, descobrimos que podemos acompanhar o percurso do 51 e, agora, ninguém mais fica na mão ou chora de desespero. Sabemos exatamente o momento que ele vai passar.

Com o tempo, aprendemos a nos localizar nos arredores da nossa casa: vamos à farmácia a pé, restaurantes, supermercado, café, sorveteria. Ou seja, aquela primeira sensação de "tudo longe" já não é mais a mesma. Aquela imensidão desconhecida e temida passou a ser algo mais familiar e próximo. O tempo faz com que as coisas mudem até de tamanho!!!


Um comentário:

  1. acredita que eu ate chorei de rir lendo sua aventura no 51? Cada dia tenho mais vontade de conhecer seus filhotes, eles devem ser umas figurinhas hahaha
    Beijao Sil

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