quarta-feira, 6 de março de 2013

Cheiro de leite

O leite é um alimento essencial, claro, somos mamíferos! Nos primeiros momentos de nossas vidas aperfeiçoamos o movimento da sucção para poder ingerir o tão sagrado alimento. Com o leite também podemos fazer coisas deliciosas como: queijo, yougurte, chocolate, manjar, mingau, leite condensado, molho branco, manteiga... Ai! Uma lista grande de coisas boas! 

Nunca imaginei a minha vida sem a ritualística caneca de café com leite pela manhã. É uma delícia! 

Só que o cheiro de leite é estranho e ele me persegue desde a mais tenra idade. Quando eu era um bebê recém-nascido - terceira filha - minha mãe teve que voltar para a maternidade porque o corte da cirurgia inflamou. A Lurdes, que ajudava minha mãe em casa, ficou comigo e, sem saber o que fazer com tanto choro, me deu uma enorme mamadeira de leite de vaca. Foi neste exato momento da minha vida que o leite passou a fazer parte das minhas necessidades vitais. Mamei aquela mamadeira e dormi por muitas e muitas horas. A Lurdes ficou preocupada e até chegou a pensar que eu havia morrido. Colocou a mão na minha barriga para ver se eu respirava. Depois desse fato, o cheiro de leite tomou conta do meu corpo e uma das lembranças de minha irmã, é que eu cheirava leite azedo. 

O cheiro de leite também estava na perua velha do meu avô... Ele entregava leite nas casas das pessoas, naquele sistema antigo do interior. Brincávamos na perua, entre os galões azedos e se eu fechar os olhos ainda posso sentir aquele aroma. Cheiro de infância.
Essas memórias , simplesmente, vem a tona por causa do cheiro de leite.  Durante esse período de amamentação, tenho a sensação de que passo pelas pessoas e elas conseguem sentir o meu cheiro. Bom por um lado, pois na fila preferencial – quando estou sem a Heleninha – nem preciso justificar: “Sou lactante! Você sente?”. 

“Dona de divinas tetas”, passo horas dando mama.  Meus três filhos mamaram muito! Eles adoravam passar o tempinho deles dependurados em mim. Minha cunhada não se conforma: “Como seus filhos regurgitam, não?!”, também, não caberia tanto leite dentro, tem que sair! Jatos pela casa, leite escorrendo pelo meu ombro, queijinho, ricota, fraldinhas e mais fraldinhas azedas para lavar, vazamento noturno... Meus Deus, você pode sentir daí?! 

Amamentar é lindo, eu acho! Mas é dolorido, sacrificante, desgastante, dá fome, cansa...  Sem contar que os bebês sempre ficam incomodados no nosso colo porque querem mamar! Você pode ter acabado de dar, mas eles querem porque querem.  Temos que carregá-los de frente, resolve às vezes. 

Fora o ritual do mama, coisa que deixa meu marido bem irritado. Veja só: senta, arruma um apoio para as costas, liga o ventilador, arruma a perna, aperta o peito pra ver qual está cheio (“Dei esse? Não, dei o outro.”), tira o protetor, pega a fraldinha, coloca a bebê. Ela começa a sugar... “Ixi, esqueci a água! Que sede isso dá.” Tem também esse tal de protetor de seio que eu uso só para marcar por onde devo começar a mamada. Outro dia o encontrei embaixo de um copo de cerveja gelada. Olhei para o marido e ele disse: “Poxa, vocês sumiram com os meus aparadores de copo...”, protetor de peito aparando copo de cerveja gelado! 

Amamentar também pode ser constrangedor. Tem horas que me sinto envergonhada de amamentar em público só que não temos muitas escolhas. 

Como hoje, por exemplo. Levei a bebê no cardiologista, pois ela nasceu com sopro no coração. O tal do sopro “inocente”, nada grave. Mas seria necessário fazer um exame para confirmar que estava tudo bem. Tudo bem? Só com o coração dela porque comigo... Morri de vergonha. Para ela fazer o tal exame o médico disse: “Coloca a menina na maca sem blusa e deite-se ao lado dela para dar mama”. C-o-m-o-a-s-s-i-m? Apareceram essas letras em neon na minha testa. O médico percebeu e explicou novamente. Não adiantou nada, que coisa mais bizarra! Olha a cena: a bebê na maca. Eu deitada ao lado dela numa pose constrangedora. Mãos segurando a cabeça. Cotovelos apoiados .  As “divinas tetas” de fora. O médico na minha frente fazendo o exame. No mínimo tudo muito estranho. Pois é, o que não fazemos pelos filhos?  Me vendo naquela situação comecei a rir e falei “Ainda bem que fui eu que vim, já pensou se fosse meu marido? O que ele teria que fazer?”.

Escultura "Mulher Deitada de Lado" (2010) de Fernando Botero (foto: http://brazilenjoyit.blogspot.com.br/)
 

Amamentar é isso e mais um pouco. Com 3 filhos, acumulei casos sobre amamentação, como: sair de blusa aberta pelo shopping, vazar leite, rachar o bico e sangrar na boca do João, chorar de dor nos primeiros dias, esguichar leite na minha irmã, o marido ter que levar o João para mamar na teta da vizinha... ver de pertinho os olhinhos satisfeitos e gratos, sentir o cheirinho gostoso de leite que eles têm! Só quem amamenta sabe a delícia que é.

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